1. Objeto material – O
tipo do artigo 129 do Código Penal acaba por tutelar a integralidade corporal
da pessoa, responsabilizando aquele que, por sua conduta, causa dano às funções
biológicas, anatômicas, fisiológicas ou psíquicas de terceiro (da vítima).
Novamente
o legislador deixa de estabelecer uma conduta determinada para que o crime se
configure, bastando um nexo causal entre uma ação do autor (que não está predefinida
pela lei) e a efetiva ofensa à integridade corporal da vítima.
Embora
o verbo nuclear do tipo exija uma conduta positiva, uma ofensa à integridade
corporal de outrem, compreende-se que o autor também pode responder quando
deixa de fazer, quando se omite, nas hipóteses em que a lei lhe impõe o dever
jurídico de garantir a integridade física da vítima, situação em que restará
caracterizado o crime comissivo por omissão (omissivo-impróprio), na forma do
artigo 12, § 2.º, do Código Penal.
Quando
a conduta do autor se limitar apenas a causar dor na vítima, sem que disso
resulte ofensa à integridade física dela, prevalece o entendimento
jurisprudencial e doutrinário de que isso não configurará o crime de lesão
corporal, por se considerar que a dor é apenas um fenômeno de índole subjetiva.
As
intervenções cirúrgicas, mesmo que resultem em ofensa à integridade corporal do
paciente, encontram respaldo no exercício regular de um direito, enquanto
tratamentos curativos voltados à melhora das suas condições físicas. Portanto, considera-se
excluída a ilicitude de tais atuações médicas.
Dentro
do delito de lesão corporal, o enquadramento da conduta do autor deve ocorrer
em razão da gravidade do resultado sobre a vítima.
É
possível dizer, assim, que quando não demonstrada qualquer consequência, dentre
aquelas previstas nos parágrafos 1.º a 3.º e 9.º do artigo 129, restará caracterizado
o delito em sua forma simples, prevista no caput
do dispositivo, o que se apura através de um raciocínio lógico de exclusão.
Assim,
exemplificadamente, quando a lesão corporal resultar morte, incidirá a hipótese
do § 3.º; quando resultar incapacidade permanente da vítima para o trabalho, enquadrar-se-á
na prevista no § 2.º (inciso I); quando resultar em incapacidade para as
ocupações habituais, por mais de 30 dias, capitula-se a conduta tão somente
pelo previsto no § 1.º (inciso I); e se nenhuma das hipóteses anteriores for a
incidente no caso, restará caracterizada apenas a lesão corporal leve, contida
no caput do artigo 129 do Código
Penal.
Obs¹:
O reconhecimento da insignificância da conduta, quanto à lesão muito branda, recebe
resistência da jurisprudência, pois se compreende que a integridade física é
bem jurídico superior que não comporta relativizações.
2. – Sujeito ativo –
O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, já que a lei não exige
alguma condição especial daquele que ofende a integridade corporal de outrem.
Considerando-se
criminosa apenas a ofensa física provocada em outrem, conclui-se que a
autolesão não é crime. Assim, a pessoa que ataca seu próprio corpo não responde
pelo crime de lesão corporal.
No
entanto, se a autolesão tiver o intuito de permitir o recebimento de
indenização ou valor de seguro, a conduta será criminosa, enquadrando-se, então,
como estelionato, previsto no artigo 171, § 2.º, inciso V, do Código Penal.
Aquele
que causa lesão em pessoa morta (em cadáver) não responde pelo crime do artigo
129 do Código Penal, mas sua conduta pode se enquadrar nos artigos 211 ou 212 da
precitada lei, pela violação do respeito aos mortos.
3. – Sujeito passivo -
Qualquer pessoa física pode ser sujeito passivo do crime, excluindo-se, pelas
razões já citadas, o autor que provoca lesões em si mesmo.
O
cadáver também não pode ser considerado vítima do crime de lesões corporais,
por já não ser sujeito de direito.
4. – Elemento subjetivo – Constitui-se
no animus nocendi, na vontade agredir
fisicamente, que resta demonstrada quando o autor do fato pratica conduta que
resultará na ofensa à integridade corporal de terceiro, atuando conscientemente
nesse sentido.
Há
espaço para o dolo eventual e a conduta culposa também é admitida, estando prevista
no § 6.º do artigo 129 do Código Penal.
Obs¹:
As lesões corporais graves, gravíssimas e as que resultam morte (§§1.º a 3.º do
artigo 129 do Código Penal) podem ser consideradas preterdolosas ou
preterintencionais. Elas exigem, portanto, que o resultado mais grave (a lesão
corporal grave, gravíssima ou a morte da vítima) seja ao menos previsível ou
evitável pelo autor do fato, ainda que não pretendido.
Caso
o autor sequer consiga prever o resultado de sua conduta, não se poderá
responsabilizá-lo pelo ato. Do contrário, estaríamos admitindo autêntica responsabilidade
objetiva na hipótese de lesão corporal, o que colide com a disciplina do artigo
19 do Código Penal.
5. – Consumação:
O
delito se consuma quando a agressão do autor resulta na efetiva ofensa à
integridade física ou à saúde da vítima, comprovando-se a lesão pelo auto de
exame de lesões corporais.
Cogita-se
possível a tentativa quando, apesar de não alcançado o resultado lesivo, o
efetivo dano corporal, prevalecer na conduta do autor o elemento subjetivo de
ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.
Se
a vítima não restar ofendida em sua integridade física ou em sua saúde, e
também faltar elementos para demonstrar o intuito do autor nesse sentido, o seu
dolo, a conduta pode caracterizar residualmente vias de fato, prevista no
artigo 21 da Lei das Contravenções Penais.
6. – Lesões corporais graves (§1.º): São
as consideradas em razão do resultado da ação do agressor, repreendidas com
mais rigor que as lesões leves quando a vítima restar lesionada na forma dos
incisos do § 1.º do artigo 129 do Código Penal:
Inciso I
– A incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias, não
alcança apenas as atividades profissionais da vítima, mas também outras tarefas
e rotinas de seu cotidiano, como o lazer, as ocupações domésticas etc.
Se
a incapacidade para as ocupações habituais se der por período inferior a trinta
dias, então a lesão corporal será leve, na forma do caput, do artigo aqui analisado.
Apesar
de se exigir o prolongamento dos efeitos lesão por período superior a trinta
dias, ela ainda deve ser temporária. Se for perene (permanente), pode ser
enquadrada na hipótese do inciso III, por debilidade permanente de membro,
sentido ou função, ou até mesmo como gravíssima, por possível incapacidade
permanente para o trabalho, perda ou inutilização de membro, sentido ou função
e/ou deformidade permanente (incisos I, III, ou IV do § 2.º do artigo 129 do
Código Penal).
Inciso II
– O perigo de vida previsto no inciso II deve ser concreto, demonstrável
mediante realização de prova técnica na situação de fato (o auto de exame de
lesões corporais), que seja conclusivo pela efetiva exposição da vida da vítima
a perigo.
Inciso III – A
debilidade contida no inciso III está relacionada à redução de uma capacidade
atribuída aos membros, sentidos ou função da vítima, sendo que a permanência da
debilidade, sua continuidade, estabelece-se em oposição às lesões curáveis.
Membros
são os apêndices do corpo, dividem-se em membros superiores e inferiores.
Os
sentidos são atributos, atividades desempenhadas pelo organismo em sua
correlação com o meio ambiente, como são a audição, a visão, o tato, o paladar
e o olfato.
As
funções são as atividades fisiológicas desenvolvidas pelo organismo, como são as
funções respiratória, circulatória, renal, neurológica, digestiva, cardíaca
etc.
A
redução de tais atributos fisiológicos, em razão da conduta do autor,
caracteriza a lesão corporal grave. A perda deles, de outro lado, destaca a
lesão corporal gravíssima.
Obs.:
Nas hipóteses envolvendo perda de um dos órgãos duplos (rins, pulmões etc.)
admite-se que a lesão provocou a redução das funções do organismo, não se
cogitando perda delas, já que a função desempenhada por eles (renal,
respiratória etc.) ainda se manterá. Nesses casos, então, a lesão não chega a
ser gravíssima.
Inciso IV –
A lesão corporal que resulta em aceleração de parto impõe o nascimento do feto com
vida. Se por conta da lesão resultar natimorto, então a hipótese será de
aborto, configurando-se lesão corporal gravíssima, na forma do inciso V do §
2.º deste artigo.
7. – Lesão corporal gravíssima (§2.º):
As consequências arroladas aqui afetam mais severamente a vítima, pelo que
entendeu o legislador em cominar penas mais graves nestas hipóteses.
Inciso I
– Trata da lesão corporal que resulta em incapacidade permanente para o
trabalho, em que se considera a capaz de impedir o exercício de qualquer
atividade profissional remunerada, não se limitando apenas àquela habitualmente
exercida pela vítima.
Inciso II –
A enfermidade incurável se caracteriza justamente pela inexistência de terapia
consagrada pela medicina, apta a reestabelecer a saúde da vítima.
A
existência de terapias experimentais não descaracteriza a hipótese do inciso
II, já que a vítima não pode ser obrigada a se aventurar em tratamentos inconclusivos
quanto aos riscos e eficácia.
Obs¹:
A transmissão de doenças venéreas, por ato sexual, não caracteriza a hipótese do inciso II do artigo 129, ainda que alguma seja cediçamente incurável. No caso, a situação violará a norma do artigo 130
do Código Penal, já que neste a conduta do autor encontrará todos os elementos
de sua definição legal.
Obs²:
A transmissão pura e simples de doenças incuráveis, que não se enquadrar nas
hipóteses dos artigos 130 e 131 do Código Penal, pode caracterizar lesão
corporal gravíssima.
Inciso III –
A hipótese deste inciso difere da prevista no inciso III do § 1.º por se tratar,
aqui, da efetiva perda ou inutilização do membro, sentido ou função, aplicando-se,
assim, sanções mais severas que as previstas para os casos de redução funcional
da vítima.
Inciso IV – A
deformidade permanente é a que causa alteração no aspecto físico da vítima, que
pode lhe resultar em vexame ou desagrado. Sua constatação se dá por meio de
exame pericial, seguido de confrontação entre imagens anteriores e posteriores
à lesão.
Inciso V –
A lesão corporal que resulta em aborto impõe que o autor do fato tenha
conhecimento do estado de gravidez da vítima. Por se tratar de conduta
preterintencional, em tendo consciência da gravidez da vítima, pode se
considerar que assumiu risco de causar a morte do feto, mesmo que não tenha
pretendido isso diretamente.
No
entanto, se também houve dolo na provocação do aborto, deve se cogitar a
incidência dos artigos 125 a 127 do Código Penal.
Obs¹:
Para a caracterização do crime, impõe-se a prova do nexo causal entre a
agressão e o aborto, mediante laudo pericial.
§ 3.º - Lesão corporal seguida de morte
– A doutrina destaca que o § 3.º do artigo 129 do Código
Penal contém uma hipótese de homicídio preterintencional (preterdoloso), em que
a lesão corporal causada pelo autor resulta na morte da vítima.
Neste
caso, embora a morte não tenha sido pretendida (não se conclua pela existência
de dolo na morte da vítima), a responsabilidade por ela é imputada ao autor na
forma deste parágrafo, desde que previsível em face das circunstâncias.
Em
todos os casos, o nexo causal entre a conduta do autor e a morte da vítima deve
sempre estar presente.
§ 4.º - Lesão Corporal privilegiada - O § 4.º
do artigo 129 repete, em seus fundamentos e no método de redução, as
privilegiadoras contidas no § 1.º do artigo 121, ambos do Código Penal. As duas
situações consideram que o crime motivado por relevante valor social ou moral,
assim como aquele em que o agente atua mediante violenta emoção, quando seguida
de injusta provocação da vítima, acomodam redução da pena, de um sexto (1/6) a
um terço (1/3)
O
relevante valor social é aquele que aproveita a coletividade.
O
relevante valor moral é o que vem em defesa da conduta ética, em acordo com os
costumes aceitos na comunidade.
A
violenta emoção é o estado emotivo que domina o autor ao ponto de reduzir o
juízo crítico de sua conduta, que se justifica na hipótese quando seguido de uma
provocação injusta da vítima.
Recomenda-se
uma leitura dos apontamentos a respeito do artigo 121, § 1.º, em que a matéria
foi apreciada.
Substituição da pena
- § 5.º - Há no delito de lesões
corporais leves (no qual as lesões não são graves) uma hipótese especial de substituição da pena privativa de liberdade por pena de multa, ela incide quando a
lesão corporal for privilegiada (§ 4.º do artigo 129 do Código Penal) e também
quando as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa - § 6.º - Ocorre
quando da imprudência, da negligência ou da imperícia do autor advém apenas
ofensa à integridade corporal corporal da vítima. Independentemente da
gravidade das lesões, por não terem sido pretendidas pelo autor do fato (já que
ausente o dolo), a pena aplicável é apenas a privativa de liberdade de dois
meses a dois anos.
Lesão corporal culposa qualificada ou
decorrente da atuação de milícia de segurança ou grupo de extermínio - § 7.º - O
parágrafo em questão amplia a incidência da lesão corporal às hipóteses
previstas em dois dispositivos que sofreram significativas alterações recentes,
os §§ 4.º e 6.º do artigo 121 do Código Penal, que já foram estudadas no artigo
121 do Código Penal.
Então,
há previsão legal à lesão corporal culposa qualificada, assim como previsto ao
delito de homicídio culposo qualificado, quando ela decorre de inobservância de
norma técnica de profissão, arte ou ofício, se omite socorro à vítima ou foge
para evitar a prisão em flagrante, em situações equivalentes às previstas no §
4.º do artigo 121 do Código Penal.
Além
disso, a lesão corporal decorrente da atuação de milícia que presta serviço de
segurança e a oriunda a atuação de grupo de extermínio também se tornaram qualificadas
(§6.º do artigo 121 do Código Penal).
Perdão judicial na lesão corporal
culposa - § 8.º - Previu aqui o legislador a hipótese de
perdão judicial na lesão corporal culposa quando a ação culposa do autor resultar
em tal sofrimento pessoal seu que, por si só, já implica em punição pela lesão causada a
terceiro, em situações equivalentes àquelas previstas no § 5.º do artigo 121 do
Código Penal.
Lesão corporal qualificada contra
ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem convivia ou
tenha convivido, ou, ainda, na prevalência das relações domésticas, de
habitação ou de hospitalidade - § 9.º - A hipótese de
lesão corporal aqui qualificada foi incorporada ao diploma penal por força da
Lei n.º 11.340/06, destacando-se das lesões corporais leves do caput porque considera as
condições pessoais da vítima, notadamente a proximidade do vínculo familiar entre ela e o autor do fato (qualquer parente dele em linha reta – ascendentes ou
descendentes, colaterais até o segundo grau – irmãos e cônjuge ou companheiro),
bem como nos casos em que se prevalece o delinquente das relações domésticas,
de habitação ou de hospitalidade mantidas com a vítima.
Causa de aumento de pena prevista no §
10 – Caso as lesões sejam qualificadas pelas hipóteses dos §§
1.º a 3.º e as circunstâncias do § 9.º coexistirem no caso concreto, estas já não
incidirão como qualificadoras, mas como causas de aumento, em 1/3 (um terço),
na dosimetria da pena.
Causa de aumento de pena na lesão
corporal qualificada do § 9.º - § 11 - O § 11 do artigo 129 do Código Penal
reservou uma última causa de aumento da pena na hipótese de lesão corporal
qualificada do § 9.º, quando a vítima for portadora de deficiência.
A
reserva legal da lei impõe que a deficiência da vítima só incida como causa de
aumento nas situações previstas no § 9.º do artigo 129 do Código Penal,
excluindo-a em face das demais. Contudo, nada obsta, em outros casos, seja
considerada no agravamento da pena, conforme artigo 61, alínea h, do Código
Penal, quando reconhecida a deficiência como enfermidade.
Lesão corporal
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Lesão corporal de natureza grave
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
V - aborto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Lesão corporal seguida de morte
§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Diminuição de pena
§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena
§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa
Pena - detenção, de dois meses a um ano.
Aumento de pena
§ 7o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e 6o do art. 121 deste Código.
§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
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