quarta-feira, 23 de junho de 2010

Art. 128 - Hipóteses de aborto legitimado (aborto legal)


Hipóteses de aborto legitimado (aborto legal)
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

1.1. – A hipótese de aborto necessário (inciso I do artigo 128 do Código Penal) se enquadraria no artigo 24 do Código Penal, pelo sacrifício de um bem jurídico (a vida intrauterina) para o salvamento de outro (a vida da gestante). Mesmo assim, o legislador entendeu por discipliná-lo na Parte Especial do Código Penal, que se difere da excludente de ilicitude da Parte Geral por não exigir aqui a existência de perigo atual ao bem jurídico que se quer salvar.

1.2. – O aborto em vítima de estupro, por seu turno, depende de prévio consentimento dela ou, enquanto incapaz, de seu representante legal. A doutrina designa essa excludente como aborto humanitário, ético ou sentimental, por permitir que a vítima de estupro aborte ser concebido de modo indesejado, violento. Não lhe impõe, assim, a obrigação de aceitar a concepção advinda da violência que sofreu.

Não há exigência de se reconhecer judicialmente a prática do crime de estupro. Contudo, alguma cautela se impõe antes de se admitir o aborto nessas circunstâncias.

O aborto necessário e o humanitário são considerados pela doutrina como excludentes da ilicitude, embora a redação da norma dê a entender que se trata de excludente da punibilidade, ao empregar no artigo 127 do Código penal a expressão “Não se pune...”.

1.3. – O Aborto eugênico não está previsto em lei, sendo, contudo, reconhecido como legítimo pela doutrina e jurisprudência, ocorrendo quando demonstrada a inviabilidade da vida do nascituro fora do útero, em razão de anomalias, malformações e/ou doenças:

HABEAS CORPUS INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – FETO PORTADOR DE SÍNDROME DE EDWARDS – VIDA EXTRAUTERINA INVIÁVEL – RISCO EMINENTE À GESTANTE – MANUTENÇÃO DA GESTAÇÃO QUE PODE CAUSAR GRANDES TRANSTORNOS À SAÚDE FÍSICA E EMOCIONAL – ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA HUMANA ORDEM CONCEDIDA. (TJSP, Habeas Corpus n.º0210254-34.2012.8.26.0000, 6.ª Câmara Criminal, Rel. Marco Antônio Marques da Silva, j. em 27/09/2012).

APELAÇÃO. PEDIDO DE INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO. FETO ANENCÉFALO E COM MÚLTIPLAS MAL-FORMAÇÕES CONGÊNITAS. INVIABILIDADE DE VIDA EXTRA-UTERINA COMPROVADA POR EXAMES MÉDICOS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 128, I, DO CÓDIGO PENAL, POR ANALOGIA IN BONAM PARTEM. Comprovadas por variados exames médicos a anencefalia e as múltiplas mal-formações congênitas do feto, de modo a tornar certa a inviabilidade de vida extra-uterina do nascituro, é possível a interrupção da gestação com base no Princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e, por analogia in bonam partem, no artigo 128, I, do Código Penal. (...). O aborto eugênico, embora não autorizado expressamente pelo Código Penal, pode ser judicialmente permitido nas hipóteses em que comprovada a inviabilidade da vida extra-uterina, independente de risco de morte da gestante, pois também a sua saúde psíquica é tutelada pelo ordenamento jurídico. A imposição de uma gestação comprovadamente inviável constitui tratamento desumano e cruel à gestante. 3. Parecer favorável do Ministério Público, nas duas instâncias. RECURSO PROVIDO. (TJRGS, Apelação Crime nº 70040663163, 3.ª Câmara Criminal, Relator: Nereu José Giacomolli, j. em 30/12/2010).

Aborto do Anencéfalo (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54)

No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF nº 54), compreendeu o pleno do Supremo Tribunal Federal pela atipicidade do crime de aborto quando da interrupção da gravidez do embrião anencéfalo, sem margem a ampliação do entendimento a outras doenças congênitas, sob o fundamento da inviabilidade do desenvolvimento do feto, assim como da vida extrauterina, dentre outras razões.

Aborto até o terceiro mês de gestação (Habeas Corpus nº 124.306-RJ – STF)

No julgamento do Habeas Corpus nº 124.306/RJ, admitiu-se a concessão da liberdade nos casos de crime de aborto, compreendendo-se pela atipicidade da manobra abortiva até o terceiro mês de gravidez, independentemente da viabilidade da sobrevida do embrião, não se tratando, assim, de conduta criminosa.

Isso sob os fundamentos dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, sua autonomia, integridade física e psíquica, tal como a própria igualdade em relação ao homem. Com destaque a estes fundamentos, entre outros de aspecto processual e formal, o Ministro Luís Roberto Barroso justificou seu voto pela concessão da ordem.

Tal decisão, contudo, trata-se apenas de um precedente jurisprudencial, sem efeito vinculante.

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