sexta-feira, 10 de março de 2023

Art. 198 - Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta

        Art. 198 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola:

        Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Objeto Jurídico: Cuida-se de norma penal dedicada à tutela da validade de duas relações jurídicas distintas.

                De início a liberdade contratual nas relações de trabalho, sendo compreendidas não apenas aquelas oriundas do contrato de trabalho regido pela legislação trabalhista, também incluindo as contratações laborais oriundas do trabalho autônomo.

                De outro quer assegurar o livre exercício de atividades mercantis, coibindo condutas atentatórias à livre concorrência, quando perpetradas mediante violência ou grave ameaça. Condutas típicas de boicotagem, desassistidas de violência ou grave ameaça, próprias das relações jurídicas tuteladas pela Lei nº 8.137/90, configuram crimes contra a ordem econômica, apesar da aparente desproporcionalidade das penas.

                Sujeitos: A norma penal não exige alguma qualificação especial das pessoas para que sejam consideradas autores (sujeitos ativos) ou vítimas (sujeito passivo) do crime, deduzindo-se entretanto que os contratantes das atividades laborais, assim como aqueles vinculados às relações mercantis (fornecimento ou aquisição de determinada mercadoria), podem ser considerados tanto autores como vítimas dos delitos, a depender do protagonismo na conduta.

                Elemento Subjetivo: Consiste no dolo, na vontade livre e consciente de perpetrar a conduta, sem previsão legal ao ato praticado culposamente.

                Consumação e tentativa: O crime se consuma com o efetivo constrangimento à contratação laboral ou mercantil, sendo possível a tentativa.

quinta-feira, 9 de março de 2023

Art. 197 - Atentato contra a liberdade de trabalho

 Art. 197. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:

I – a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias:

Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência;

II – a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação de atividade econômica:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

 

Objeto jurídico: As disposições do artigo 197 vêm em defesa da liberdade para o exercício de qualquer atividade econômica lícita, a tutela da livre iniciativa, da segurança nas atividades de indústria e de comércio.

                A doutrina defende a tese de revogação tácita da segunda parte do inciso II do artigo em comento por conta da regulamentação do direito de greve em legislação autônoma, além de convenções trabalhistas das quais o país é signatário (Leis nº 4.330/64 e 7.783/64).

                Sujeitos: Qualquer pessoa pode ser autora do crime, não havendo exigência legal de qualquer qualificação especial do sujeito ativo.

                Podem ser sujeitos passivos o empregado, o autônomo, o trabalhador avulso, enfim, a pessoa que exerce atividade profissional tutelada, bem como a pessoa que emprega ou contrata o trabalhador cuja atividade profissional acaba embargada pela conduta criminosa.

                Elemento subjetivo: A norma penal prevê típica a conduta praticada dolosamente, o constrangimento ou a grave ameaça conscientes e deliberados.

                Não há previsão do crime na modalidade culposa.

                Consumação e tentativa: o crime se consuma pela prática do simples constrangimento por violência ou grave ameaça atentatórias a quaisquer das condutas dos incisos I e II da norma em questão, admitindo-se possível também a tentativa.

quarta-feira, 8 de março de 2023

Art. 186 - Da ação penal nos crimes contra a propriedade imaterial

 Art. 186. Procede-se mediante:          (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        I – queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184;         (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        II – ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1o e 2o do art. 184;          (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        III – ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público;            (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        IV – ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3o do art. 184. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

                A ação penal será privada quando a conduta for praticada na forma do caput do artigo 184 (caso de violação pura e simples, sem o dolo específico do lucro), cumprindo ao titular do direito, ou pessoa que o suceda, a iniciativa da ação.

Neste caso se aplicam os institutos do perdão expresso e tácito, assim como as hipóteses processuais de perempção da ação penal.

A ação penal será pública incondicionada nos casos dos §§ 1º e 2º do artigo 181 e, nas hipóteses do § 3º (transmissão eletrônica ou eletromagnética), condicionada à representação.

terça-feira, 7 de março de 2023

Art. 184 - Violação de Direito Autoral

 Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:             (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.            (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        § 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:            (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.           (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        § 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.          (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        § 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:          (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.          (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

        § 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.        (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

       

Objeto Jurídico:  Aqui a norma tutela a propriedade imaterial dos direitos autorais, a titularidade dos atos de criação do espírito humano (direitos morais sobre a obra), também assegurando ao criador (autor) ou a terceiro autorizado ao exercício dos direitos decorrentes daquela (direitos patrimoniais sobre a obra).

                Há uma definição legal do que se considera direito autoral e dos limites dentro dos quais atua a tutela estatal penal (arts. 14/27 e 28/45 da Lei n.º 9.610/98), podendo se considerar o artigo 184 do Código Penal como norma penal em branco, porque os direitos tutelados neste são regulamentados em outro diploma legal. A lei penal precisa da definição legal do que é direito autoral para que faça incidir a tipicidade do fato.

                A violação é o desrespeito, a afronta ao direito autoral do titular da obra; a reprodução é a replicação; a distribuição consiste na difusão; a venda é a entrega da coisa mediante pagamento de preço; a exposição à venda consiste na publicização da oferta de venda; aluguel é detenção temporária da coisa mediante pagamento de preço; a introdução no país é a colocação da coisa em território nacional; a aquisição é a obtenção do domínio da obra; a ocultação consiste no ato de esconder, retirar do acesso público; ter em depósito é a conduta de armazenar a obra.

                Sujeitos: Não se exige uma qualidade especial do autor do fato para que seja considerado sujeito ativo do crime.

                A vítima do delito será o autor da obra artística ou científica que viu violado seu direito autoral, tratando-se assim do sujeito passivo, também se considerando ofendido pelo crime o intérprete, as empresas reprodutoras autorizadas a tanto.

                Elemento subjetivo: O tipo penal se realiza apenas com a conduta dolosa, o ato livre e consciente de violar o direito autoral, assim o sendo na conduta prevista no caput. Nos §§ 1º a 3º constam figuras qualificadas do crime, que passam a exigir também o dolo específico de auferir lucro, ainda que indireto, na violação do direito autoral.

Não é necessária a prova do lucro, bastando a vontade de realizar a conduta com o fim específico de auferir este, mesmo que ao final tal ganho não se concretize.

Não há previsão legal para o crime na modalidade culposa.

Consumação e tentativa: O crime se consuma com a integralização da conduta aos tipos relacionados à violação do direito autoral, à contrafação, reprodução desautorizada etc. Tratam-se de condutas materiais que admitem tentativa.

Obs: O § 4º afasta a tipicidade das figuras qualificadas quando se tratar das exceções de não violação que a própria lei dos direitos autorais tolera (arts. 46 a 48 da Lei nº9.610/98) ou ainda quando o autor da reprodução (copista) faz uso privado, sem intuito de lucro direto ou indireto, de uma só cópia (hipótese de insignificância da conduta).

Jurisprudência:

Súmula n. 502, STJ: “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas”.

Súmula n. 574, STJ: “Para a configuração do delito de violação de direito autoral e a comprovação de sua materialidade, é suficiente a perícia realizada por amostragem do produto apreendido, nos aspectos externos do material, e é desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou daqueles que os representem”.

sexta-feira, 3 de março de 2023

Art. 183 - Exclusão das Imunidades

Art. 183. Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:

I – se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;

II – ao estranho que participa do crime;

III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Inciso acrescentado pela Lei n. 10.741, de 01.10.2003.

Aqui se tem situações nas quais as imunidades do artigo 181 e 182 não se aplicam.

Então os fatos serão puníveis e a ação penal assume a regra geral de ser pública incondicionada quando:

a)      O familiar empregar violência ou grave ameaça contra a vítima, ou quando o crime for de roubo ou de extorsão (inciso I);

b)      Em face da terceira pessoa que participa do crime, pessoa que não possui os vínculo familiares com a vítima, elencados nos dispositivos dos artigos 181 e 182 do Código Penal; e

c)       Ser o crime praticado contra pessoa idosa, com idade igual ou superior a sessenta anos. Cuida-se de critério etário objetivo, acrescido na norma penal pelo Estatuto do Idoso.


Art. 182 - Imunidade Penal Relativa

 Art. 182. Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:

I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;

II – de irmão, legítimo ou ilegítimo;

III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

As disposições gerais dos crimes contra o patrimônio trazem neste ponto as imunidades penais relativas, repercutindo diretamente sobre o processo e apenas por via reflexa sobre o aspecto jurídico-material dos fatos.

Determina, assim, que o processamento da ação penal exige representação da vítima (ação penal pública condicionada), quando esta for:

Cônjuge separado judicialmente do autor do fato: compreendendo-se aqui a situação do casal separado judicialmente ou de fato, mas que ainda vigora o vínculo matrimonial, sem que o casamento tenha sido extinto com o divórcio.

Se o delito ocorrer depois do divórcio, dispensa-se a representação e a ação penal será pública incondicionada.

Pode restar dúvida quanto à convivência em regime de união estável, pela equiparação constitucional ao casamento. Compreende-se, entretanto, que nestes casos a separação do casal antes de dois anos também exigirá a representação do convivente.

Depois deste marco, os fatos praticados serão processados em ação penal pública incondicionada.

Irmão, legítimo ou ilegítimo: não há mais diferenciação na lei civil entre filiação legítima e ilegítima.

De outro lado, a questão aqui, relacionada ao vínculo familiar colateral de segundo grau, vem exigindo a representação da vítima para o processamento do crime.

Tio ou sobrinho, com quem o agente coabita: preserva-se aqui a proximidade dos vínculos familiares colaterais de terceiro grau, desde que presente a situação de coabitação com o autor do fato.

quinta-feira, 2 de março de 2023

Art. 181 - Imunidades penais absolutas

 Art. 181. É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

 Neste tópico a lei penal trata das escusas absolutórias, das imunidades penais absolutas, que aqui de uma forma geral alcançam os crimes contra o patrimônio (título II da Parte Especial do Código Penal), equivalendo-se às situações do artigo 107 da Parte Geral (causas extintivas da punibilidade).

 São causas pessoais de isenção de pena, não se cogitando a cominação da sanção penal quando o autor do fato comete o crime contra quaisquer das pessoas previstas nos incisos I e II do artigo 181 do Código Penal.

 Estabelece-se uma política criminal de mitigação do rigor da lei penal quanto a crimes patrimoniais entre familiares, deduzindo-se que a periculosidade do autor de delitos da espécie contra cônjuge, ascendente ou descendente, é mais reduzida, não justificando a sanção penal.

 Efeito processual disso é também o reconhecimento da falta de interesse processual na instauração de ação penal para essas situações de menor repercussão ofensiva.

 A lei fala em isenção de pena, o que não impede a busca de eventual ressarcimento por algum prejuízo, na esfera cível.

 Neste capítulo as imunidades penais absolutas alcançam o autor do crime cuja vítima é:

 O cônjuge na constância da sociedade conjugal, igualmente se devendo compreender que o convivente, em regime de união estável também é alcançado pela norma, enquanto vigente a união na época dos fatos, na medida em que há uma equivalência constitucional em tais relações familiares.

 Por exclusão, não se aplica tal imunidade quando, embora formalmente casados, a sociedade conjugal não existe mais, não há mais a convivência matrimonial.

 O ascendente ou o descendente, trata-se aqui do vínculo familiar em linha reta, excluindo-se aqueles que se estabelecem colateralmente e os por afinidade (irmãos, tios, sobrinhos, sogros etc.).

Art. 180-A - Receptação de Animal

 Art. 180-A.  Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito ou vender, com a finalidade de produção ou de comercialização, semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes, que deve saber ser produto de crime:

 Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.         (Incluído pela Lei nº 13.330, de 2016)

Objeto Jurídico: A norma tutela aqui a propriedade de semoventes domesticáveis de produção, assim também a segurança da posse legítima, da circulação e do comércio de boa-fé de tais espécies, bem como de suas partes.

São aqui considerados os animais de criação destinados ao consumo, a exemplo de galináceos, bovinos, ovinos, suínos etc. de origem criminosa.

Ainda que se sustente a segurança sanitária como bem jurídico a tutelar, apenas tangencialmente se vê a efetiva preocupação do legislador nesse sentido, pois nada impede que tal delito seja praticado em abatedouros legalmente estabelecidos. A conduta descrita não tem esse alcance.

Os atos que destacam a incidência do tipo penal da receptação de animal são os seguintes:

 Adquirir: Incorporar ao patrimônio, pouco importando se de maneira onerosa ou gratuita;

 Receber: O recebimento é simultâneo à aquisição, dá-se com a tradição, a aceitação da coisa mediante ato voluntário;

 Transportar, Conduzir: carregar a coisa, levá-la de um lugar ao outro, utilizar meio de locomoção para carregá-la; 

 Ocultar: esconder, dificultar a visualização, dissimular a posse da coisa que foi objeto de crime anterior;

 Ter em depósito: manter a custódia da coisa, tê-la sob os seus cuidados, guardá-la; ou

 Vender: transmitir a propriedade da coisa mediante pagamento de preço;

 Sujeitos: É crime comum, que não exige uma qualificação especial do autor ou da vítima.

 Elemento subjetivo: Aqui o legislador dá destaque a um dolo especial, a prática do ato pelo autor deve ocorrer com a finalidade específica de produção ou de comercialização. A prática da receptação sem tais finalidades esvazia a tipicidade da conduta do artigo 180-A do Código Penal.

 Não há previsão típica da conduta culposa, por ausência de previsão legal.

 Consumação e tentativa: É crime que se consuma com a realização de um dos verbos nucleares da conduta, sendo possível também a cogitação da tentativa.

quarta-feira, 1 de março de 2023

Art. 180 - Receptação

 Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

 Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

 Receptação Qualificada

 § 1º Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

 Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

 § 2º Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.

 Forma Culposa

 § 3º Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:

 Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa, ou ambas as penas.

 § 4º A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa.

 § 5º Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa, aplica-se o disposto no § 2º do art. 155.

 § 6º Tratando-se de bens do patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo.

 O tipo penal da receptação traz nuances bem peculiares que recomendam especial atenção quanto ao seu objeto, os sujeitos e seu elemento subjetivo.

 a) Objeto Jurídico:

 O bem jurídico a se tutelar é o patrimônio, com destaque à segurança e à boa-fé na transferência de riquezas no âmbito civil, na circulação de coisas, de bens materiais entre pessoas.

 O objeto do crime é o bem móvel que foi objeto de crime antecedente.

 Não se considera típica a conduta se o fato delituoso antecedente é contravenção, na medida em que a norma fala em coisa produto de crime. Isso pelo método hermenêutico da estrita legalidade, já que os tipos penais da parte especial do Código Penal devem ser interpretados restritivamente, sem a possibilidade de analogias ou interpretações ampliadas.

 a.1) Pela redação do caput se coíbe as condutas de:

 Adquirir: Incorporar ao patrimônio, pouco importando se de maneira onerosa ou gratuita;

 Receber: O recebimento é antecedente obrigatório à aquisição, dá-se com a tradição, a aceitação da coisa mediante ato voluntário;

 Transportar, Conduzir: carregar a coisa, levá-la de um lugar ao outro, utilizar meio de locomoção para carregá-la; ou

 Ocultar: esconder, dificultar a visualização, dissimular a posse da coisa que foi objeto de crime anterior;

 Influir para que terceiro adquira, receba ou oculte: Aqui comete o crime a pessoa que induz terceira pessoa a praticar três das condutas típicas do caput, ampliando o alcance da norma para atingir aquele que convence terceiro a adquirir, receber ou ocultar coisa objeto de crime.

 Também pela estrita legalidade da lei penal, não comete o crime de receptação o influenciador que convence terceiro a transportar ou conduzir coisa objeto de crime anterior, porque o ato de influir só alcança as condutas de adquirir, receber ou ocultar, conforme estabelece a parte final do caput do artigo 180 do Código Penal.

 a.2) Objeto Jurídico da Receptação Qualificada.

 A redação do § 1º (Receptação Qualificada) busca coibir a receptação no exercício de atividade comercial ou industrial ampliando o rol de condutas típicas do autor, fazendo constar, além das previstas no caput (adquirir, receber, transportar, conduzir e ocultar), as de:

 Ter em depósito: manter a custódia da coisa, tê-la sob os seus cuidados, guardá-la;

 Desmontar: separar os componentes que integram a coisa, retirada de suas peças (a exemplo dos desmanches de automóveis);

 Montar: agregar componentes à coisa, dando-lhe característica e função própria de sua natureza;

 Remontar: restabelecer a coisa a partir da reincorporação de seus componentes, restaurando sua natureza, repará-la lhe dando forma, características e funções originais;

 Vender: transmitir a propriedade da coisa mediante pagamento de preço;

 Expôr à venda: Anunciar, disponibilizar a coisa ao comércio; ou 

 De qualquer forma utilizar: uso irrestrito da coisa, de qualquer maneira (tipo penal aberto).

  b) Sujeitos:

  b.1) Sujeito ativo: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito do artigo 180 e de seu § 1º, não exigindo a lei penal uma qualificação pessoal do autor do crime.

 Destaque-se, contudo, que o tipo do § 1º pressupõe o exercício de atividade industrial ou comercial, mas não pressupõe que o autor do crime seja empresário industrial ou comercial, basta para qualquer pessoa praticar o crime mediante exercício de atividade de comércio ou emprego de método fabril.

 b.2) Sujeito passivo: qualquer pessoa pode ser vítima do crime de receptação, já que a  norma não estabelece uma condição pessoal a ela.

 c) Elemento Subjetivo:

 c.1) Dolo: A receptação prevê a conduta dolosa na figura do caput, (a obrigação de saber a origem ilícita da coisa) e em seu § 1º, a previsão de um dolo especial (a ciência da origem ilícita e a prática da conduta no exercício de atividade comercial ou industrial).

 c.1) Culpa: A modalidade culposa: a imprudência, a negligência e a imperícia, ficam adstritas às situações em que se exige do autor a presunção de ciência da origem ilícita, quer pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição do ofertante.

 Valor é a estimativa do quanto vale a coisa e preço é o efetivamente pago pela aquisição. 

  Apenas as condutas de adquirir e de vender a coisa admitem a modalidade culposa. Nas demais condutas não incide a figura culposa, por ausência de previsão legal.

 Consumação e tentativa: O crime se considera consumado com o exaurimento de uma das condutas integrativas do tipo, cogitando-se possível também a tentativa.

 § 5º: O § 5º estabelece uma modalidade de receptação privilegiada, dando tratamento equivalente ao do crime de furto de pequeno valor (§ 2º do artigo 155 do Código Penal, ao qual se sugere leitura neste Blog).

 § 6º: O § 6º prevê aumento de pena considerando a qualidade do sujeito passivo, o ente público, impositiva da pena em dobro ao da prevista no caput. Deduz-se não incidir na modalidade qualificada e na receptação culposa. 

 

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Art. 91-A - Confisco Ampliado (Confisco Alargado)

Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.            

§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:             

I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e          

II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.       

§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. 

§ 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada. 

§ 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.

§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

As disposições do artigo 91-A do Código Penal introduzem na legislação penal a figura do confisco ampliado (confisco alargado), designado assim porque a lei penal já dava tratamento ao tema do perdimento dos bens do condenado (art. 91 do Código Penal).

A partir da Lei n.º 13.934/2019 (Pacote Anticrime), as condenações por crimes de maior gravidade (pena máxima superior a seis anos de reclusão) autorizam a expropriação judicial de bens do condenado, quando ele não demonstra origem lícita de seus ativos.

Há uma presunção de origem ilícita quando atendidos os critérios previstos nos incisos I ou II do § 1º do artigo 91-A do Código Penal, sintetizados na premissa de que bens auferidos pelo condenado a partir da prática do ilícito ou transferidos a terceiros mediante contraprestação irrisória, ou a título gratuito, também a partir do crime, são passíveis de perdimento.

A doutrina fala em patrimonialização do direito penal, política criminal na qual se passa a focar o patrimônio do criminoso de maneira a dissuadi-lo a não praticar de ilicitudes.

O pedido de perdimento deve ser incluído na denúncia, que deverá ser instruída com elementos suficientes para demonstrar a existência de um ganho patrimonial incompatível com a atividade licita e, assim, presumindo-se advinda do crime.

O legislador não se preocupou em indicar a pessoa favorecida com o perdimento, crendo-se, contudo, oportuno que ocorra em proveito da vítima, quando identificável, à União ou ao Estado.

O § 5º do artigo 91-A do Código Penal dedica especial atenção aos instrumentos do crime perpetrado por milícias ou organizações criminosas, estes revertendo então em proveito da União ou do Estado, conforme seja a ação penal processada perante a Justiça Federal (União) ou Justiça Estadual (Estado).

Constam questionamentos relacionados à inconstitucionalidade da presunção da origem ilícita dos bens, em confronto à presunção da inocência. De se considerar, entretanto, que a presunção de inocência é impeditivo da condenação na hipótese de cenário probatório duvidoso. Mas sendo o perdimento de bens uma consequência da condenação, então, a presunção de inocência, que não impediu a condenação pressuposta, não chegou a ser violada.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Art. 179. FRAUDE À EXECUÇÃO

Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas:

        Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

        Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa.

OBJETO JURÍDICO: O crime de fraude à execução tem a proposta de prevenir ofensas a interesses patrimoniais daquele que já atua judicialmente na recuperação de seus créditos. É o patrimônio do credor-judicante o bem jurídico a ser tutelado mais diretamente.

Possível considerar, também, que há uma perturbação da boa-fé e da lealdade processual dos participantes da ação judicial já instaurada, porque o devedor age no sentido de frustrar os atos processuais direcionados à realização final de um direito creditício.

Então, a norma coíbe o ato de alienar (desfazer-se de bens, expropriar-se, doar, vender etc.), desviar (dar destinação outra que não a prevista originalmente), destruir (depredar, derribar, estragar etc.), danificar (inutilizar, desnaturar ou corromper) ou simular dívidas (falsamente se apresentar como devedor de outras obrigações que embaraçam a constrição do bem em garantia).

A redação do tipo legal pode levar a acreditar que o crime coíbe fraudes apenas em ações de execução ou em etapa de cumprimento de sentença. Contudo, caso algum patrimônio seja indisponibilizado já na ação de conhecimento, liminarmente ou antes do trânsito em julgado de litígio antecedente, eventual dissipação do bem afetado já caracteriza o crime.

Aliás, neste ponto se segue a compreensão que os demais ramos do direito dão a esta modalidade de fraude processual, pois o crime pressupõe apenas, na inauguração da relação processual indutiva de insolvência, a atuação do devedor no sentido de se desfazer de seu patrimônio ou de simular obrigações outras. Isso já no processo de conhecimento.

SUJEITO ATIVO: O autor do fato criminoso é o devedor que está sendo processado, cuja venda de bens possa lhe resultar a incapacidade de honrar suas obrigações judiciais.

Caso se o autor do crime se encontre em estado falimentar, no fato se amolda às hipóteses de crimes falimentares (art. 168 e, 172/175 da Lei n. 11.101/05).

SUJEITO PASSIVO: o credor de obrigação cujo descumprimento implicou no contencioso judicial, na ação em que a realização do crédito acabou frustrada pela ação do devedor.

ELEMENTO SUBJETIVO: não prevê a modalidade culposa, havendo então exigência de dolo, da vontade consciente e livre de alienar o bem com o objetivo de frustrar a execução, pode se dizer que há um dolo específico, com o objetivo de frustrar a realização do crédito.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: Cuida-se de crime com a efetiva realização do ato, o real prejuízo à realização dos créditos reclamados judicialmente, sendo admissível a tentativa quando a realização da fraude acaba interrompida por eventos alheios à ação do autor.

Se na hipótese a alienação dos bens não chega a comprometer a solvência do devedor, não se cogira a típica a conduta, não se reconhece a prática do crime.

AÇÃO PENAL: A ação penal é privada, procedendo-se mediante queixa (parágrafo único do art. 179 do CP).

Na hipótese de fato praticado contra o Poder Público, contudo, será pública incondicionada, por se tratar de lesão a patrimônio público (§ 2º do art. 24 do CPP).

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Art. 178 - Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant"

Art. 178 - Emitir conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Objeto Jurídico: É possível considerar como objeto de tutela da norma a segurança das relações mercantis provenientes de contratos de depósito sob modalidade de armazéns gerais, regime no qual o depositário contratual de mercadorias (empresário regularmente estabelecido para tal atividade) emite o “certificado de depósito” ou “Warrant” em proveito do depositante, assim fazendo prova da disponibilidade dos produtos e garantias sob sua custódia.

A emissão irregular de tais títulos, em dissonância com as normativas que lhes são regentes, traz potencial prejuízo ao proprietário das mercadorias, às garantias incidentes sobre estas e a terceiros, inclusive.

O Decreto nº 1.102/1903 regulamenta a atividade empresária de armazéns gerais e a dinâmica de tais títulos.

Sujeito Ativo: Na figura penal do artigo 178 do Código Penal, apenas o legitimado à emissão, empresário regularmente estabelecido para tal atividade, pode ser considerado autor do crime.

Sujeito Passivo: Qualquer pessoa pode ser vítima do delito do artigo 178 do Código Penal, já que a norma não exige um atributo ou qualidade especial a esta.

Elemento Subjetivo: Não está prevista a modalidade culposa, pressupondo-se que o autor comete o crime quando atua conscientemente no sentido emitir irregularmente o Conhecimento de Depósito ou Warrant

Consumação e tentativa: É crime que se realiza com a simples emissão do documento irregular. Caso o autor venha a redigi-lo, sem colocá-lo em circulação, não há crime.

Contudo, em tese é cogitável a tentativa, quando a emissão é embargada por circunstâncias alheias à vontade do agente.

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