quarta-feira, 23 de junho de 2010

Art. 110 – Prescrição depois de transitar em julgado a sentença final condenatória


 Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.
 § 1o  A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

 O artigo 110 e seu §1.º estabelecem um marco para aferição do prazo prescricional individualizado ao fato delituoso em concreto, que será a pena fixada na sentença condenatória transitada em julgado.

 O caput disciplina o que a doutrina denomina prescrição da pretensão executória. Depois de transitada em julgado a sentença condenatória (a que se tornou definitiva por não haver mais recurso contra ela), não se fala mais em prescrição do direito de ação, porquanto este restou tempestivamente exercido, remanescendo, apenas, a pretensão quanto ao cumprimento da pena. O prazo para exigir o cumprimento dela, então, rege-se pela prescrição considerada a partir da pena fixada na decisão final.

 O §1.º do artigo 110 do Código Penal, por seu turno, trata da prescrição retroativa. Sobre ela, contudo, é forçoso reconhecer inicialmente que, na recente alteração operada pela Lei n.º 12.234/10, o legislador não primou pela melhor redação ao editar a norma.

 Efetivamente, apesar de, numa primeira vista do referido dispositivo legal, perceber-se que a prescrição retroativa entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória se mantém porque a contrario sensu foi vedada tal prescrição apenas para eventos anteriores à denúncia ou queixa, uma leitura mais acurada da lei mostrará que o legislador pecou pela falta de precisão quando da redação da norma. Isso, entretanto, será comentado no final do tópico.

 A matéria da prescrição retroativa sofreu importante alteração com a publicação da Lei n.º 12.234/10, a partir da qual não mais se compreende possível computar tal modalidade para eventos anteriores ao oferecimento da denúncia ou da queixa, aplicando-se ela somente quando considerado o prazo entre o recebimento da peça acusatória e a publicação da sentença condenatória, pelas razões de interpretação já expostas.

 Noutros termos, atualmente, a prescrição que corre entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou queixa só pode ter por base a pena máxima cominada ao delito, nada mais importando, para nesse fim, a pena cominada ao final do processo.

 Disso não se pode concluir, contudo, que a prescrição não tem início antes de recebida a denúncia ou queixa. Aqui a prescrição corre sim, mas pela pena máxima cominada ao delito, seguindo fielmente a regra do artigo 109 e seus incisos.

 Por seu turno, a prescrição pela pena projetada, em perspectiva ou virtual (aquela em que, pelas características do fato praticado e situação do autor, antes do início da ação já se imagina qual será a pena máxima aplicável ao caso, para então verificar se houve prescrição retroativa), que era rechaçada pelos Tribunais, por força da súmula 440 do Superior Tribunal de Justiça, mas usualmente acolhida na justiça de primeiro grau, restou completamente descartada com a revogação do §2.º do Código Penal.

 Além disso, a alteração do tratamento dado à prescrição criou duas situações a serem notadas pelo operador jurídico, já que, em sendo norma mais gravosa, a Lei n.º 12.234/10 não regulamenta situações pretéritas, que seguem regidas pela antiga redação do art. 110 e § 1.º do Código Penal, assim como do seu revogado §2.º.

 Tem-se então que, para os fatos praticados até 05 de maio de 2010 (um dia antes da entrada em vigor da nova regra), a prescrição pela pena fixada na sentença condenatória é aplicável ao período compreendido entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou queixa (prescrição retroativa). Visualizando-se possível em relação àqueles, também, a prescrição pela pena projetada.

 A prescrição dos fatos praticados a partir de 06 de maio de 2010 (data da entrada em vigor da nova regra), por seu turno, segue pela pena máxima cominada ao delito, isso quando considerado o período entre a data do fato delituoso e a data do recebimento da denúncia ou queixa.

 Sem embargo, mantém-se inalterado o tratamento dado à prescrição retroativa ocorrida entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença condenatória, assim como a verificada a partir do trânsito em julgado (prescrição da pretensão executória), pois, nas duas situações, ela será regulada pela a pena fixada na sentença condenatória, e não mais pela pena máxima prevista no tipo penal.

 Nas hipóteses dos artigos 109 e 110 do Código Penal, então, é possível imaginar um quadro resumido para melhor entendimento da prescrição retroativa, antes e depois da Lei n.º 12.234/10:

 Fatos praticados antes da Lei n.º 12.234/10:

1.º Data do fato
2.º Data do recebimento da denúncia ou queixa
3.º Data do trânsito em julgado
– Prescrição entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou queixa.
– Tem por base a pena fixada pelo Juízo quando do trânsito em julgado (extinto § 2.º do artigo 110 do Código Penal).

– Prescrição entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença condenatória:
– Tem por base a pena fixada pelo Juízo quando do trânsito em julgado (§ 1.º do artigo 110 do Código Penal).
– Prescrição da pretensão executória: a que corre a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo o prazo dentro do qual o Estado pode exigir o cumprimento da pena.
– Tem por base a pena fixada pelo Juízo quando do Trânsito em julgado (art. 110, caput, do Código Penal).

Fatos praticados depois da Lei n.º 12.234/10:

1.º Data do fato
2.º Data do recebimento da denúncia ou queixa
3.º Data do trânsito em julgado
– Prescrição entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou queixa.
– A possibilidade de retroagir a prescrição pela pena fixada no caso para antes do recebimento da denúncia ou queixa foi descartada pela Lei n.º 12.234/10, pois o § 1.º do art. 110 do Código Penal impede o uso de tal método nesta hipótese. Assim, neste caso, a prescrição corre pela pena máxima cominada ao delito.
– Prescrição entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença condenatória:
– Tem por base a pena fixada pelo Juízo quando do trânsito em julgado (§ 1.º do artigo 110 do Código Penal).
– Prescrição da pretensão executória: a que corre a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo o prazo dentro do qual o Estado pode exigir o cumprimento da pena.
- Tem por base a pena fixada pelo Juízo quando do Trânsito em julgado (art. 110, caput, do Código Penal).

Obs¹: Outras causas interruptivas da prescrição, notadamente as previstas no artigo 117 do Código Penal, podem ocorrer no curso do processo, não se podendo considerar as situações acima descritas como regra geral absoluta a todas as hipóteses de interrupção da prescrição.

Obs²: A prescrição intercorrente – a que corre perante os tribunais, considera a pena fixada no caso concreto, fluindo entre a data da publicação da sentença condenatória recorrível e a da sessão do julgamento pelo Tribunal.

 Parte da doutrina sustenta que a inovação na matéria da prescrição não quis apenas extinguir a prescrição retroativa que se admitia entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou queixa, pois o texto atualmente em vigor permite o entendimento de que houve uma revogação total acerca da prescrição retroativa (incluída, também, aquela verificada entre o recebimento da denúncia/queixa e a publicação da sentença). De outro lado, a revogação parcial dessa modalidade de prescrição também violaria o princípio da proporcionalidade, por não haver justificativa para uma prescrição ser mais severa durante a investigação policial e mais branda quando do processamento da ação penal e da aplicação da pena[1].

 Por fim, outra a crítica à redação do referido dispositivo legal:

 Ao tentar restringir a incidência da prescrição retroativa, vedando-a em face de eventos anteriores à denúncia ou queixa, em uma exegese lógica/gramatical do dispositivo, a forma como foi redigida acaba por esvaziar tal objetivo.

 Isso porque, como está escrita, ela recusa incidência da prescrição retroativa para eventos anteriores à denúncia ou queixa apenas quando estes não ocorrerem, ou seja, tão somente quando a hipótese for nenhuma. Explico.

 Eis a redação atual do §1.º do artigo 110 do Código Penal:

 § 1o  A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

 O destaque em negrito foi proposital e dele se conclui que, como dito antes, em face de eventos anteriores à denúncia ou queixa (entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa), a prescrição retroativa pela pena aplicada não se opera quando não incidirem as hipóteses que a autorizam.

 É que, tendo o legislador empregado a expressão nenhuma, que mantém relação antagônica, assim como de negação, com alguma, deve se reconhecer que, quando alguma hipótese de prescrição ocorrer, não se poderá opor a ela a proibição de incidência da prescrição retroativa contida no referido texto legal, justamente porque já não se trata de nenhuma hipótese, sendo, então, alguma hipótese específica.

 Com efeito, a interpretação lógica/gramatical das premissas contidas no § 1.º do artigo 110 do Código Penal impede sua incidência nos moldes que, aparentemente, foi pretendido pelo legislador, já que ele acaba negando os efeitos da prescrição retroativa a partir do fato delituoso (diz que não pode) apenas quando não houver hipóteses de incidência, ou seja, em nenhuma hipótese.

 Efetivamente, o legislador nega a eficácia da prescrição retroativa apenas em face de um campo vazio de hipóteses de prescrição, a contrario sensu, havendo uma hipótese, poderá esta ter por termo inicial data anterior à denúncia ou queixa.

 Em mesmo sustentando que ao dizer “nenhuma” o legislador quis empregar o sentido de “nem uma hipótese” ou “sequer em uma hipótese”, ainda assim isso não impede a conclusão que a partícula anterior (“...não podendo...”) recusaria justamente vigor da conjunção “nem” ou do advérbio “sequer”, pelo que, também por esse aspecto, se afiguraria plenamente possível a incidência da prescrição retroativa a fatos anteriores à denúncia ou queixa, como é o delito em si mesmo considerado.

 De outro lado, caso o legislador pretendesse, efetivamente, vedar a incidência da prescrição retroativa para eventos anteriores à denúncia ou queixa, andaria muito melhor se utilizasse e expressão “... não podendo, em qualquer hipótese...” ou “... não podendo, em hipótese alguma...”, dando ao texto legal a seguinte redação:

 § 1o  A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em qualquer hipótese (ou hipótese alguma), ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

 Contudo, por não ser tão claro como parece que deveria ter sido, o legislador transfere-se ao jurista a árdua tarefa de encontrar o exato sentido da norma, assim como a medida adequada do direito de punir do Estado em face do direito de liberdade do cidadão.

 Apesar de ainda não ter encontrado doutrina a respeito do tema em particular, compreendo que, por sua relevância, a crítica à redação da norma não poderia passar em branco.


[1] JESUS, Damásio Evangelista de. Extinção da Prescrição Retroativa, in Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, Edição 37 AGO/SET 2010.

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